domingo, 9 de novembro de 2014


Se é poeta a vontade de transmutar-se:
Ser boi
Ser árvore
Ser paisagem

Se é poeta nascer junto do compasso
que é boi, árvore, paisagem

É porque deus é o gozo - o que diz mutação,
e é poeta gozar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014



[Valentina Bardazza]

É porque sou o deus do meu corpo que lembro
os deuses vendem quando dão.

Fome, esquecimento, mandíbula, mão:
Amor é o preço da vida.
Libido é o brinde pro são.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014



A. chegou meia-noite e meia.
Disse. Dissemo-nos.

Entre o dizer e agora, a mudez:
toda a linguagem se confundiu 
com um mesmo único destino.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

sobre tempestades retas


ao mar o que é do mar: 
pra quem foge à terra presa 
eia
à deriva em alto-mar, outra cela

espelho d'água espelha lua
se o sangue esfria namplidão,
vive quem ouve a sereia?

não sou homem, mas não ouço,
tenho água nos ouvidos.
sobe desce lua mora,
sobrevive quem flutua.

quarta-feira, 2 de abril de 2014




Rudolf Bonvie


No inverno, reclinados junto ao fogo
num sofá confortável, há muitos temas de conversa
para quando se bebe vinho doce e se petisca uns feijões,
«Quem és tu, meu amigo? De onde vens? Quantos anos tens?
Que idade tinhas quando vieram os Medos?»

Xenófanes, Fragmento B22. 
Tradução Miguel Monteiro.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Prova bihorária

Questão 1)
(1 ponto)
a) Como ser o sofista-socrático dos muitos?


b) Should I stay or should I go? Justifique.



Questão 2) (2 pontos)
Considere a seguinte afirmativa e cite exemplos da sua aplicação: "Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar."




Questão 3) (3 pontos)
Considere a seguinte situação hipotética: Você aceita um desafio por vontade de desenvolver um tipo de habilidade que sabe ainda não ter, mas o seu suposto desenvolvimento é mais lento do que Aquiles em relação à tartaruga. Assinale a alternativa mais coerente. No caminho para o ponto de ônibus, você:
a) Enche o copo pra não engolir o drama a seco.
b) Finge que não se sente traindo a si mesmo(a) e às pessoas em volta, e só balança a pema como um general nazista que aceita e executa ordens sem mais.
c) Vai para Ilha Grande, procura uma caverna habitada só por bichos não-venenosos e funda uma escola neo-cínica.
d) Lê Humberto Maturana e reconstrói a esperança motriz de que dar aula é o melhor projeto político que você pode ter.
e) Desaparece do universo, acabando, assim, com todas as questões relativas à sua suposta responsabilidade.

Questão 4) (4 pontos)
Se as questões acima foram difíceis, deve ser porque tá rolando um problema de ego, hein... Se investigue, beibe, senão você endurece. Jogue uma água no corpo e relaxe um tanto. Feche os olhos e lembre de que o que a vida quer da gente é coragem.







quarta-feira, 26 de março de 2014

É porque menstruo que aprendo.

Sou feroz e demiúrgica, quase ingrata: sei o que mato.
É só aí que mudo. mundo que mundo. ô-meu-mundo...

Ouço, então: é que o cosmo é paixão, 
o que diz: o que é ser, é no tempo; aprendo.






sexta-feira, 21 de março de 2014

Ainda era verão e G conheceu H. 
Chegando em casa, queimou as suas tragédias e escreveu numa agenda de telefone: 
a maior parte do tempo vivemos o mesmo silêncio denso; – então o da obscuridade luminosa nos vinha: era a conversa sempre muda de todas as gerações.

Faltavam agora dois dias para o equinócio e G, decidida a seguir o caminho de H, passou a exigir de si a maior das tarefas: repensar todo o já pensado, eks archés like a virgin.


Mas, pois que chegou o outono e H custava a liberar espaço na cabeça de G, 

esta, por puro desespero, racionalizou: 
há um amor, talvez se possa aprender a amar. 
há um pensador: talvez se possa aprender a pensar.



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Era Dona Antônia,
talvez outra, talvez a mesma.

Esta, era Dona Antônia padeira;
inteira mãe e vó,
um tanto também biza.

Um dia, já muito mulher,
mas filha, se foi muito, foi tão curtamente,
que isso ela ressentia.

Era Dona Antônia e agora também seu marido morria.
Morria, morria,
morria,
morria; pois que não de morte súbita,
mas de vagarinha e doída morte sem corte.

Dona Antônia, no entremeio, um dia acordou,
botou nas mãos balde e sabão,
e foi indo ao cemitério ter com os pais.

Ia, decidida e zangada.
Zangada com deus, decidida com a raiva do mistério.

Chegou à lápide.
Lavou, refrescou, limpou a pedra dos pais.

Mas e a memória?
Quando subiu os olhos pra inscrição de bronze,
entristeceu: roubaram-lhe quase todas as letras.

Pegou as últimas que sobraram, acarinhou-as.

Voltou pra casa a tempo de ainda ver o marido,
que lhe estendeu as mãos em concha muito como sempre.

Mas Dona Antônia agora era outra:
olhou muito fundo o marido e lhe disse ter descoberto.

É que eram quatro as letras sobreviventes,
e formavam não um substantivo, mas o verbo:

     

       AMAR