quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Quando Dandi viu sangue na parte de trás do seu trator, em que ela costuma sentar para telefonar para as crianças e olhar a distância entre o sol e a montanha zebrada, pensou rápido será que o meu absorvente vazou? Mas refez mentalmente o seu trajeto no dia e percebeu que era impossível; além disso, era sangue demais mesmo pra ela.

Então olhou em volta já com o coração apertado. Será que tinha atropelado alguém? Refazia aflita e ainda mais rápido o trajeto mental, agora do seu trator, procurando grito, gemido ou suspiro, na memória, que pudesse dar pista.

Olhava em volta, mas o coração disparava tanto que não via nada: na floresta tudo se camufla para a vista já querendo cansar da mamãe.

Foi só então que viu. Subiu no capô do trator, por impulso, e refez, com o olhar, agora aterrorizado, o traçado da enorme linha sinuosa e escamada, quase perfeitamente camuflada. Diziam que tinha mais de 150 anos, diziam que pesava mais de 200 quilos, mas o que Dandi sabia era que a lendária cobra zebrada, que tinha salvado a vida da sua filha do meio uma vez, estava agora com a cabeça esmagada embaixo do seu trator.

Sem pensar mais, cortou a pontinha do rabo da cobra zebrada, o estoque do seu veneno, correu pra casa com o peito formigando e, antes de enfartar, disse para as crianças: o veneno que salvou Shimara é agora a memória da sua mãe. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Andar. Dar um passo depois do outro.
Por muito tempo eu achei que andar fosse encontrar respostas.
Uma resposta, um passo.
Outra resposta, outro passo.

Só muito depois eu encontrei a santidade das perguntas.
Mas e daí?

E daí nada, quando a pergunta é só interrogação.
É verdade no vazio, emolduram, orgulhosos, os lógicos.

O mas vem, ao contrário, da pergunta que pergunta o mesmo.
E esta sempre foi,
no fundo,
experiência.

É aí.
É aí que a cena corta prum fim de dia pesado em inverno carioca dourado. ´
É aí que, quando o calcanhar levanta, ele alavanca, vai e vê.

É só aí que um bebê aprende a andar.
É só aí que, depois de toda a aporia de pensar ir pra frente e, no entanto, cair para trás;
o bebê encontra a santidade da alavanca: ir pra frente é o paradoxo de empurrar o mundo pra trás.