quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

3 horas da manhã e nada.
Nem um mio de gato,
agora um mio de gato,
agora nada.

Toda frase deveria conter pelo menos um fato, disse Ana,
bastante sem saber de onde vinha conclusão assim.
Mas pôs-se a experimentar:
Nunca li cordel alemão.
Isto é um fato?

Esta é a parte boa de ser Zeus
Zeus
disse,
quando perguntado sobre o desaparecimento súbito de todos os rios do mundo,
Eu não tenho que explicar
nada. 

replied poet Anacoluthon.

domingo, 16 de dezembro de 2012

sobre horizontes sinuosos



ao mar o que é do mar: 
pra quem foge à terra presa 
eia
à deriva em alto-mar, outra cela

é que agir sem se conhecer
exige coragem,
isto os portugueses bem-souberam ensinar.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012


Osere sentia há três dias um vazio do tamanho do Deus.
E, sendo menina islandesa muito certa do que é a terra, sabia: isso é sinal de mau sono do vulcão.

Acontece é que, por lá, fala-se muito, em momento de educação primária, sobre dança tectônica, sobre  núcleo da terra, sobre choque do magma em pedra; sobre etc um e sobre etc outro.

Mas Osere só condescendia, nas provas de colégio: no profundo, nada poderia ser mais sabido: ninguém entende terra por estar sobre ela, mas só e sempre quando sobre é por dentro

Foi vazia, mas certa que Osere chegou, então, perto do poro do vulcão.
Pronto, pronto. Desta vez foi até rápido!

Foi Osere, finita e pequena, olhar bem fundo na íris do vulcão, e já estava bom e quente de novo o coração da imensidão.

terça-feira, 30 de outubro de 2012


[Thoka Maer]








Era Aurélia quando viu o espelho.

Mas foi Aurélia ver que olhou, 
e tratou logo de esquecer o que viu. 

Lembrando o ocorrido minuto antes do sono, 
roubou a caneta do T.S. Elliot, e disse: 
"Human nature is able to endure only a very little reality"


sábado, 27 de outubro de 2012

É que a lâmpada estava queimada, a capa da almofada tinha rasgado, os livros estavam amontoados, e até colcha de cama tinha poeira. Mas foi num de repente que isso apareceu.

Lembrei, então, da minha tia Elza, tia-avó dos verões no Farol de São Tomé. Lembrei dela quando percebi alguma vontade de conserto, sabe?

Lembrei da vida longa olhando pra costura, sentada na cadeira de balanço da varanda que olha prum mesmo mar vazio e barrento. Mar que coexiste um pouco fantasticamente com os muitos e enormes pinheiros que costeiam a areia, aliás.

Lembrei, e lembrei das tardes inteiras de mutirão descascador de camarão fresco nessa mesma varanda, no meio de prosa muito boba e tranquila.

Mas lembrei sobretudo, lembrança esta que andava bastante esquecida, do dia em que eu queimei um sanduíche porque estava distraída contando as frutas desenhadas nos azulejos da cozinha, e a minha tia Elza disse, num tom sapiencial muito simples que combina sempre com ela:

ô amorzinho, lembra que só existe pra tudo uma única receita: é ter o maior cuidado na hora de cozinhar.

domingo, 21 de outubro de 2012


É que sexo é separação, disse o verbo latino seco; mas diria também eu, agora que já estou dizendo.
Separa porque diz você é um, e é nisso mesmo que une ao outro, outro um.

Separa porque encerra em quatro muros:
ao norte, aventurança a inventar; ao sul, memória envidraçada;
a leste, o espelho evadido; a oeste, reflexo e refletido.

Separa, então, por dom do tempo,
coisa que traz a memória de outro intervalo: o vão entre poema e poema.

Separa; então do então; por promessa.






[Gina Ruggeri]





.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Eu a chamo Eu.
Euclícia, no completo;
Eu, quando é em mim.

Ela, no então, diz:
Mas assim sou eu-; incompleta,
Eu e um traço, eu e um soluço.
Eu-; que diz bem-, mas diz mais nada.

Mais nada, penso eu.
deve ser mesmo isto, o Bem.

E é mesmo isto que, não sempre, mas também,
às vezes somos: eu, eu, e mais nada.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O meio-dia da Vênus

[Isabel M Martinez]

barulho de onda
areia seca e olhos fechados

é errante a beleza,
não é do sol ser coisa que se possa olhar de frente

12:01

terça-feira, 3 de julho de 2012

O exílio é fora do solo, quer dizer, "la chancelante équivocité du monde"


 , disse Arendt, pintou Manet, compôs Ravel.

sábado, 16 de junho de 2012


Meio-espelho


Criador-deus a tudo fez 
para criar também um
Visível-deus.

fazendo, foi com este apenas 
e pela primeira vez que Ele se deleitou
e amou-o como seu próprio filho,
o Palavra Santa.
Deus omnium creator
Secum Deum
fecit visibilem 

hunc fuit primum
et solum quo oblectatus est
et valde amavit proprium Filium, Sanctum Verbum.



[Francisco Hurtz]


quinta-feira, 31 de maio de 2012

era chuvinha fina com sol, invisível até, mas bem sentida porque também ventada.
e eu ali embaixo, de alma pesada e coração travado, na seca de quem não olha pra cima.

acontece que é esta a retórica das nuvens: chamar atenção pro céu.
e, em coisa de momento ou dois, as gotas me acupunturaram o coração.

só isso e pronto, o caminho é como sempre foi:
vou indo pra frente e, quando estiver começando a me sentir em casa, volto pra casa.

terça-feira, 29 de maio de 2012

vertigem.

de novo o medo da encenação arriscada.
de repente surgem umas palavras bonitas, talvez bonitas demais, tudo como se dizer grandiosidade fosse objeto comprado com preço. e vale? se valeu não sei mais. lembro de querer muito que valesse. mas trapezista que só sabe lembrar ter acreditado em trapézio cai. e trapezista assim é entre aspas.

aporia.

domingo, 27 de maio de 2012

três enquadramentos para única ordem

[Barbara  Probst]


Sebastião é sujeito irresponsável. E imprevisível e infantil, e disponível pra qualquer afeto e, por isso, sempre à beira de um colapso, e sedutor, e anárquico, e preguiçoso, e amável e doce, e criativo, e bruto.

Teofrasto não tem rosto, desconhece a própria idade, é condescendente e tem necessidade de agradar. É gente de inspirações súbitas, conversa com a natureza e com os demônios do mundo, tenta provocar o aparecimento de estigmas na palma da mão esquerda, é tão sensível que não suporta o contato com a própria roupa. Não é construtivo nem destrutivo, é como se fosse uma antena.

Frederico é paciente e bom, não usa óculos, mas vê, porque tem sentido de responsabilidade e de conjunto. Sua função é andar pra frente, mas sempre só consegue se anda junto com Téo e Sebastião que, no entanto, parecem puxá-lo pra trás.


Os três nem pensam que seria possível libertarem-se: são compassos ternários em improviso.

domingo, 6 de maio de 2012




Orlando tinha rosto esquisito: angular, afiado, e belos olhos pretos e indiferentes.


Onde estão os olhos de Orlando?, você perguntaria, se tentasse Orlando-olhar.
Estão no mar., você, juro, responderia, depois de ver Orlando-mar.


É que Orlando não tinha olhos para ver mundo e, no entanto, não morava nem pouco longe do mar.
Orlando, por isso - e nisso não havia outro jeito-, se sabia só.

Só, só olhando o mar.
Mas que mar?, outro você perguntaria.
O único céu em que sabemos mergulhar., você, juro, respondeu ao acordar.


[Gerard Vilardaga]


quarta-feira, 11 de abril de 2012

respiração cutânea ou "sobre a necessidade de ajudar o deus"



[pia bramley]


Quando sinto o nó, ele sempre já esteve dentro da pele.
é corpo estranho, grita o corpo, querendo expulsar.
é desassossego qualquer, condescende o cansaço.

No então, nó já mora e mendiga. E ele cresce.
Ninguém mais vê e ele cresce.
Tento dizer e ele cresce.

Procuro nos poetas nó que se pareça.
Oblívio óbvio: na procura do pronto não se vê.
Então procuro mais, para só ver crescer mais meu nó.

Fecho os olhos, entro n'água: agora o mundo precisa de mim.




sexta-feira, 6 de abril de 2012

cada vida, um papel
cada dia, outra vida.
[santiago salvador]


Mas hoje sou de novo George Eastman, 
o outsider do pânico em ser outsider

Pra que tanto café, diz Angela Vickers,
você matou a quem, diz Angela Vickers.
sempre em pergunta sem interrogação.

Café...
Café é pânico do não saber inside do que
                                       se quer entrar.

                                       é isso que diz:
                                       afinal, vambora.
                                       a qual de você
                                       você vai matar?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

então realidade é som, diria Tom Zé, mas disse Carson. 

por isso é que em poema sempre-e-sempre tem verdade. 
(você veja: metro, beleza, susto, tudo isso é sinal de real).

problema é, diz nosso-Platão, o quanto dessa verdade a gente também sabe poetar.

[Glauber Rocha]

terça-feira, 27 de março de 2012

spartacus e a exposição ou "el cuerpo es un campo de batalla"


[erik olson]
é que a maioria dos homens chama paz,
disse o cretense-Clínias,
o que disso só tem o nome.

domingo, 18 de março de 2012

A pele que envolvo
Política dedes-envolvimento ou "até a áte"


[Lasar Segall, Encontro]

uma áte do Brasil?
mas o ‘povo brasileiro’
é em todas as átes das artes.


dito de outro modo:


se sou negro no 'encontro',
e branco no pintor,
sou por síntese:
amor.

domingo, 11 de março de 2012

Uma criatura ou "fill in the blanks: retrato de um olho roxo pela Lapa" 


Sei de uma criatura antiga e formidável,
[etsy]
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
















Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida;
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Canto Diurno ou "pujante é a raiz que se vê pela folha"

Perséfone

Fiama Hasse P. Brandão disse:
"Quando Março me dá nova flor
que se abre sem palavras a corola,
eu comparo-a com o amor que eclode
na pupila do olhar em luz e sombra.
Todo ventre é bendito, tanto
mais o da primavera do cio
de aves e flores. Também o desejo
imaginou a língua sem palavras,
e que é a do som do Canto e dos poemas"

Ora estamos em março e invejei renovação
Então, reverente olhei o verde, e aquiesci
"aqui, primavera é toda estação"


domingo, 4 de março de 2012

Rimas no corpo ou "sobre a maestria" 



[Klara Kallstrom]

É que todos acham as suas obras belas, ouvi num Cícero dizer.

ou ainda: Sante Iohannes da escala diatônica é a nota mais aguda, é o espectador em si

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

repetir-repetir-repetir até ficar diferente


17 de fevereiro de 2007
(adaptado, medido e censurado):

"Foi quando eu passei a achar uma sorte gostar de mulheres. Não pelos motivos que efetivamente me fizeram ver paixão, mas também por outro secundário e muito importante: justo a falta de modelos que eu tinha sobre gostar de mulheres.

Existir modelo até existia, claro, mas eu achava essa minha história tão muito diferente desses outros, do pejorativo que pode ser quando alguém fala "sapatão" como se isso xingasse, que eu percebi que tinha, afinal, muito menos modelos desses perigosos porque pre-estabelecidamente colados no jeito como a gente chama as coisas de 'naturais'. Pobres dos heterossexuais, além de todo o sofrimento do amor, ainda têm que estar alerta para separar a profusão de clichês.

Ok, não que eu esteja isenta de clichês, tudo bem; mas o fato de ser constantemente lembrada de que a minha relação não é dentro dos maiores moldes já é o suficiente para me deixar, pelo menos, mais alerta do que eu estaria se não fossem estes lembretes.

Fiquei um tanto mais feliz, assim. E também porque isso se desenrolava em outro lado: o de perceber que o sofrimento de não saber o que fazer era, na verdade, muito bom, porque era sinal de que eu estava construindo uma coisa só minha, com alguém, então realmente nossa; não tinha jeito de copiar de ninguém.

Pensei no quanto deve ser mais difícil conseguir uma coisa dessas se você está vivendo alguma confusão desesperada e pensa em ler Capricho ou Marie Claire para procurar solução. Gente é sempre e mesmo aluna: se já se tem resposta pra pergunta, está feito o trabalho. Ninguém se esforça em vão.

Não-em-vão, então, é responder de novo, e no pulo do perceber que a resposta feita não serve, no fundo. Não-em-vão justo porque a pergunta é só sua e, se bem sua, radicalmente (ainda) sem resposta.

Mas diz isso pra moça que não sabe bem o porquê de gostar do moço que paga a conta, ou pro moço que não sabe bem o porquê de gostar da moça de voz fraca...

Pode mesmo ser ganância pseudo-ativista e boba minha, mas passei a achar que romance deve ser coisa ainda mais difícil pros héteros."


terça-feira, 17 de janeiro de 2012

esperanta coleção ou "o que as línguas buscam é id-entidade?"








[camila leon]

infante-instável, sou vão, viril-vagina.
pronto, é preciso voltar ao quarto vazio,
quem sabe se, distraída com orthos-coleção,
acabei tendo ontem ethos-nascido?


what did that mean?

 something, she said
 in a glimpse,
something howabout.

that is, about
 how the long longing look
is really a study,
a searching seeing,
a look that makes up
for the time with no-sees.

longa espera não é paciência,
é? é ofício.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Coloco a Clarinha para dormir lendo uma história sobre o castelo de um mágico que entende a língua das crianças.

Ontem ela acordou assustada com os lençóis molhados. Já há muito tempo ela não fazia xixi na cama; disse que sonhou com alguma coisa que já não sabe bem.

Me pergunto a mim pelo que eu lembro dessa língua. Tento imaginar os segredos da Clara com o mundo e, depois, vou intuindo o que eu gostaria de um ser-irmã-muito-mais-velha. Enquanto passeio com ela pelo centro, pelo mam, pela orla, tento assistir ao jeito como aquilo deve aparecer pros seus seis anos.

Minha mãe está no hospital, passará a noite por lá, de novo. Passo pelos álbuns de fotos na estante. Quando ela estava grávida de mim, tinha pouco mais do que a minha idade. Minha mãe cuida da sua mãe no hospital. Só depois de pensar nisso assim tive mesmo a consciência dela como ser humano, com uma realidade além daquela de ser minha mãe.

Olhar as fotos dela quando era jovem me entristece. Mamãe aparece linda, com os olhos cheios de expectativa e agudez, como se quisesse tudo o que tem no mundo. Queria agora conseguir falar para ela sobre a morte de um jeito que parecesse com o amor, e antecipo esse momento em que ela não sofrerá mais a tristeza de já não poder cuidar da sua mãe. Penso se ela tem sentimento de dívida com a minha avó, ou se a tristeza dela é pura e sem acalento. Ela está sozinha e, nisso e já, também não posso cuidar da minha mãe.