terça-feira, 30 de outubro de 2012


[Thoka Maer]








Era Aurélia quando viu o espelho.

Mas foi Aurélia ver que olhou, 
e tratou logo de esquecer o que viu. 

Lembrando o ocorrido minuto antes do sono, 
roubou a caneta do T.S. Elliot, e disse: 
"Human nature is able to endure only a very little reality"


sábado, 27 de outubro de 2012

É que a lâmpada estava queimada, a capa da almofada tinha rasgado, os livros estavam amontoados, e até colcha de cama tinha poeira. Mas foi num de repente que isso apareceu.

Lembrei, então, da minha tia Elza, tia-avó dos verões no Farol de São Tomé. Lembrei dela quando percebi alguma vontade de conserto, sabe?

Lembrei da vida longa olhando pra costura, sentada na cadeira de balanço da varanda que olha prum mesmo mar vazio e barrento. Mar que coexiste um pouco fantasticamente com os muitos e enormes pinheiros que costeiam a areia, aliás.

Lembrei, e lembrei das tardes inteiras de mutirão descascador de camarão fresco nessa mesma varanda, no meio de prosa muito boba e tranquila.

Mas lembrei sobretudo, lembrança esta que andava bastante esquecida, do dia em que eu queimei um sanduíche porque estava distraída contando as frutas desenhadas nos azulejos da cozinha, e a minha tia Elza disse, num tom sapiencial muito simples que combina sempre com ela:

ô amorzinho, lembra que só existe pra tudo uma única receita: é ter o maior cuidado na hora de cozinhar.

domingo, 21 de outubro de 2012


É que sexo é separação, disse o verbo latino seco; mas diria também eu, agora que já estou dizendo.
Separa porque diz você é um, e é nisso mesmo que une ao outro, outro um.

Separa porque encerra em quatro muros:
ao norte, aventurança a inventar; ao sul, memória envidraçada;
a leste, o espelho evadido; a oeste, reflexo e refletido.

Separa, então, por dom do tempo,
coisa que traz a memória de outro intervalo: o vão entre poema e poema.

Separa; então do então; por promessa.






[Gina Ruggeri]





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