quinta-feira, 16 de julho de 2015


encontro_um tempo de abertura


Meu medo, meu terror, é se disseres:
Teu verso é raro, mas inoportuno.
Como se um punhado de cerejas
A ti fosse dado
Logo depois de haveres engolido
Um punhado maior de framboesas.

E dirias que sim, que tu me lembras.
Mas que a lembrança das coisas, das amigas
É cotidiana em ti. Que não te enganas,
Que o amor do poeta é coisa vã.

Continuarias: há o trabalho, a casa
E fidalguias
Que serão para sempre preservadas.
Se és poeta, entendes. Casa é ilha.
E o teu amor é sempre travessia.

Meu medo, meu terror, será maior
Se eu a mim mesma me disser:
Preparo-me em silêncio. Em desamor.
E hoje mesmo começo a envelhecer,


H.H, in júbilo, memória, noviciado da paixão

encontro_tempo de nexo


Nosso êxtase - dizemos - nos dá nexo
E nos mostra do amor o objetivo,
Vemos agora que não foi o sexo,
Vemos que não soubemos o motivo.


John Donne, in O êxtase.
Trad. Augusto de Campos

domingo, 3 de maio de 2015

Você ainda tem tempo, disse Fédon (ou o Cebes?), como se isso fosse resposta.

Mas daqui a dança ultrapassa, apurada, o cheiro de sabão no varal e a lama na barra da calça -memória do sábado- que agora escorrega no ralo do domingo de sol.

Para este truque, devo confiar nos pulmões como câmaras de ar. Uma vez, em Milão, um homem que pesava 120 quilos perdeu a vista fazendo isto. É que o nervo ótico é que faz todo o esforço. E quando se perde a vista, acabou.

É que a pressão do vazio é o que explode o coração, disse mais ou menos a Yourcenar.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Quando o tio patriarca da minha Heloise mandou me capar, entendi: vida é dor.

Mas que dor? - posso perguntar em voz endemoniadamente gutural e tão pouco interrogativa que já mostra uma sugestão de resposta.
Mas o que da dor? - posso perguntar com olho faiscante de quem dança frevo desde os 6 anos e acabou vestir fantasia nova.
Mas que força é dor? - posso perguntar com o tom tão obviamente retórico da parteira que sabe que a resposta é só um empurrão.
Duvida? - posso perguntar guimarães-roseanamente pra aranha que fica atrás do armário.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Eckart Hahn




Em nós,
corpóreos,
convencionais,

Pesa, no entanto,
a fúria da vontade

E as mil abstrações

No amor e na verdade.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Eu sei que essa simplicidade toda levanta uns problemas difíceis, disse ela fechando a porta do táxi, mas não consigo deixar de pensar que as formas simples são por si mesmas e sempre as mais difíceis.



Rumi Baumann

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Ela mandou os filhos de férias
para a casa dos tios em joão pessoa.
O marido está em campinas a trabalho.
A casa onde vivem está em obras.

Ela se muda pro apartamento dos pais,
em friburgo.
Eles já morreram.
Ela conta poder trabalhar sossegada.

Ela adora o fato ele-mesmo de que é verão
e, no entanto, ela está só.

Depois sente o perigo de não ser amada,
depois sente o medo de verificar isto,
depois sonha e não compreende o sonho.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

[Siobhan Barbour]
O poder - uma mulher menstruada enquanto goza;
costura com enormes fios brancos
aquele nome (que já não existe) a um bloco de gelo.

Que nome? - hoje é estúpido, só letra.
Mas por tempo enorme esteve bordado na auréola do
meu peito; no vermelho da minha virilha, na saliva
dentro da orelha.

O nome - colonizador hesitante e mudo -
é bicho que tem medo e paga iptu.