domingo, 3 de maio de 2015

Você ainda tem tempo, disse Fédon (ou o Cebes?), como se isso fosse resposta.

Mas daqui a dança ultrapassa, apurada, o cheiro de sabão no varal e a lama na barra da calça -memória do sábado- que agora escorrega no ralo do domingo de sol.

Para este truque, devo confiar nos pulmões como câmaras de ar. Uma vez, em Milão, um homem que pesava 120 quilos perdeu a vista fazendo isto. É que o nervo ótico é que faz todo o esforço. E quando se perde a vista, acabou.

É que a pressão do vazio é o que explode o coração, disse mais ou menos a Yourcenar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bom o beijo que estourando o peito liberte as palavras, jamais as enclausure.
Bela a pernada que não deixe mais parar a dança.
Melhor ainda tudo o que sonhando planejo, e planejando te sonho.

Anônimo disse...

Amanhece e somos uns 15 pombos mirando a praça retangular de Delft.
A amiga quebra uns galhos com seu próprio peso e alegre nos avisa que podemos todos voar.
Engraçado que ali não há uma só árvore de que me lembre.
Está frio, não há perigos, há migalhas para catar.

Passa-se um dia inteiro.
Humanamente plasmados, visitamos as barraquinha de comida do lugar.
Também não lembro que existam, talvez em dias de festa.
Apresento a amiga aos filhos embora pense que Madame não aprovaria isso.
Por que o faço? Não há o menor interesse de parte a parte.
E por que estou aqui? Don't give a damm about the Oranges.

Lembro de tudo isso enquanto percorro outro quadrado.
Pertenço a essas ruínas, pelo menos uns 300 anos mais recentes que Delft,
tudo cuidadosamente destruído e abandonado.

Elas sintetizam meu próprio Ocidente, seus desvarios e descaminhos.
Há a ciência que deu em nada, cabeludos tramando a nova e eterna revolta que também em nada dará.
Há a igreja que ninguém frequenta (verba de reforma desviada pelo pároco),
Há crentes em Jesus abraçando os miseráveis da praça.
Há o comércio xing-ling, casarões convertidos em estacionamento, crack e comidinhas.
E há pombos também como em Delft.

Suspiro e sigo em frente, desprezado pelos senhores cidadãos à direita e à esquerda.
A amiga não voa mais por aqui.