quinta-feira, 10 de janeiro de 2019



Quem, pelo contrário, ande sempre a mudar de sítio em busca de tranquilidade encontrará sempre motivos de perturbação onde quer que esteja. Houve uma vez um homem que se queixou a Sócrates de nunca ter tirado proveito das suas viagens. "Não admira!" — respondeu o filósofo. "Viajaste sempre na companhia de ti próprio!". Como beneficiariam certas pessoas se conseguissem afastar-se de si mesmas! Na realidade, são elas a causa das suas próprias angústias, cuidados, aflições e receios. De que serve atravessar o mar andando sempre de uma cidade para outra? Se queres escapar aos males que te afligem, precisas de te tornar outro homem, e não de mudar de sítio. Imagina que vais parar a Atenas, a Rodes, ou a qualquer outra cidade à tua escolha. Que importância têm os costumes dessa cidade se tu levas para lá os teus próprios? 

[...at ille qui regioneseligit et otium captat ubique quo distringatur inveniet. Nam Socraten querenticuidam quod nihil sibi peregrinationes profuissent respondisse ferunt, 'non inmerito hoc tibi evenit; tecum enim peregrinabaris'. [8] O quam benecum quibusdam ageretur, si a se aberrarent! Nunc premunt se ipsi, sollicitant, corrumpunt, territant. Quid prodest mare traicere et urbes mutare? si visista quibus urgueris effugere, non aliubi sis oportet sed alius. Puta venissete Athenas, puta Rhodon; elige arbitrio tuo civitatem: quid ad rem pertinetquos illa mores habeat? tuos adferes.]

Séneca, Cartas a Lucílio XVII-III.104.7-8 
Gulbenkian, Lisboa: 2009. (trad.: J. A. Segurado e Campos)


Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado pela lembrança, estou atlético subindo a escada!!! Melhor que os retratos de porquinho...

Mas o texto, sei lá, parece mais dirigido a quem pretende mudar esse mundão grande, esse "céu que nos protege" (filme e livro imperdíveis - "The Sheltering Sky", tudo versando sobre calar)

Eu mesmo pouco me ausento deste burgo decadente e a cada dia mais beato. Para me alterar devia ficar aqui silente, mas não resisto. Não consigo só contemplar.

Até o próximo incômodo,
Jacaré