- Além tudo disso, a gente quer ser força em caminho do tempo; o que é também papel esquisito. e acontece, quando esticamos olhos para fora depois de intervalo mais longo, que a paisagem já mudou;
- (...) Só que o que passa voando só passa porque só pode ser assim. Por isto e apesar, cresce outro esquisito: a sensação de que seguimos para fora de caminho nosso ou de entrarmos em viela estrangeira.
- (...) Até um dia, que surge urgente: desembarcar! saltar! ânsia de pare, que é se deixar perder em mar só, pra só assim chegar em terra.
[diego gravinese]
Está posto marinheiro-caminho: ii) atolar e ver, i) ansiar um ponto antes, iii) refixar (estrela) e refundar (terra). Depois secar os pés ao sol.
Um comentário:
"A cada minuto pensamos ter na mão um começo, e achamos que deveríamos traçar um plano para todos nós. Se as velocidades não nos agradam, inventemos outra coisa! Por exemplo, algo bem lento, uma felicidade nevoenta como uma serpente marinha misteriosa e com o profundo olhar bovino com que já os gregos sonhavam. Mas não é nada disso. A marcha do tempo nos domina. Andamos com ela dia e noite, e fazemos dentro dela todo o resto; nos barbeamos, comemos, amamos, lemos livros, exercemos nossa profissão, como se as quatro paredes estivessem imóveis; e o inquietante é saber que as paredes se movem, sem notarmos nada, lançam seus trilhos à frente como longos fios sinuosos, tateiam, sem que se saiba para onde. Além disso queremos se possível fazer parte das forças que determinam o curso do tempo. É um papel obscuro, e acontece, quando olhamos para fora após um intervalo mais longo, que a paisagem mudou; o que passa voando o faz porque só pode ser assim, mas apesar da resignação cresce a sensação incômoda de que seguimos além de nossa meta ou entramos por um caminho errado. E um dia, surge a necessidade urgente: desembarcar! Saltar!"
MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. Tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p.50.
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