domingo, 6 de maio de 2012




Orlando tinha rosto esquisito: angular, afiado, e belos olhos pretos e indiferentes.


Onde estão os olhos de Orlando?, você perguntaria, se tentasse Orlando-olhar.
Estão no mar., você, juro, responderia, depois de ver Orlando-mar.


É que Orlando não tinha olhos para ver mundo e, no entanto, não morava nem pouco longe do mar.
Orlando, por isso - e nisso não havia outro jeito-, se sabia só.

Só, só olhando o mar.
Mas que mar?, outro você perguntaria.
O único céu em que sabemos mergulhar., você, juro, respondeu ao acordar.


[Gerard Vilardaga]


5 comentários:

Anônimo disse...

Talvez ele não seja o lobo que vc. retrata: palavras não lhe faltaram.

F_ disse...

Acordar ou recordar?

Na casca de limão disse...

Quis que o lobo fosse imagem daquele que tem paixão intolerante com a rotina.

onde 'paixão' pode ser amor/desejo/procura, na verdade qualquer 'x' que só se compreenda em atenção exclusiva.

Mas Orlando não é sempre o lobo, geralmente ele se prepara para ser lobo: fica à espreita, que é espera indiferente aos discursos dos pares. espera que só acaba quando Orlando "vê para fora", no seu caso, o mar.

Até pq "ser lobo" nem o lobo é sempre. "ser lobo" aqui é ser lobo enquanto lobo vê, ou seja, lobo dos olhos que emanam luz.

por isso, enquanto Orlando espera, e porque realmente quer ver, a preparação só pode ser "ver pra dentro".

"O único céu em que sabemos mergulhar", na espera, é, para mim, o sonho, que é a pura poiesis.

"ver", aqui, pode-se explicar assim: quando vc sonha, vc vê aquilo que vc mesmo produziu. é uma relação instantaneamente ativo-passiva.

quis que "ver", então, fosse coisa análoga ao sonho. como se fosse impossível "ver" qualquer coisa tão somente passivamente.

No caso de Orlando, ele é especial porque "vê" o mar, portanto ativa e passivamente. mas como, isso?

é que o mar é, para Orlando, a projeção da sua própria alma; o que ele só é capaz de olhar passivamente justo porque ativamente-forja sua alma no mar.

por isso se 'acorda' para responder o que Orlando viu. Acordar é justo sair dessa instantaneidade ativo-passiva do sonho. Acordados somos quase sempre só passivos: passivos perante o tempo, perante o espaço, perante o mais das relações.

Só somos ativos em poiesis. A poiesis de Orlando é como a completa poiesis, equilibradamente ativa e passiva, mas rigorosa e espontaneamente para nada.

Mas para nós, que não somos Orlando, o momento de acordar pode ser aquele em quenos damos conta dessa transição (e, consequentemente) da necessidade daquela produção ativo-passiva.

Então você tem razão, F_, "recordar" também descreve bem. Mas descreve o momento daquele que percebe que é preciso se preparar na espera para ver.

Ali, com Orlando, eu estava querendo dizer coisa mais simples e mais geral: todos conhecemos esta sensação de susto ao acordar e, neste justo momento de acordar, entenderíamos Orlando (aquele que não acorda).

O problema é mesmo que geralmente não nos recordamos dessa sensação e, por isto, estranhamos Orlando.

Na casca de limão disse...

Desculpem a "legenda", me empolguei olhando para coisas que não não tinha sabido ver antes.

Outro dia tento de novo.

[obrigada pelos comentários, foram mesmo importantes, hein]

Anônimo disse...

Como ver, se vc. é esse mar q ele contempla?

No mais, se Orlando não é lobo, por honra de Dionisio, devora-o bacante.