desassossego demoníaco
[chema madoz]
- pronto: estou obcecada, não consigo pensar em outra coisa.
- ...é o impossível flertando com o possível.
[Essa é uma versão antiga do Pai Nosso, traduzida direto do aramaico, e não deve ser lida sem vontade.
Está escrita numa pedra branca de mármore, em Jerusalém, no Monte das Oliveiras, na forma como parece ter sido invocada pelo amigo-mestre Jesus.
O aramaico é um idioma originário da Alta Mesopotâmia, (séc VI ac), e era a língua usual do povo, enquanto o hebraico era mais utilizado em ritos religiosos. Jesus sempre falava ao povo em aramaico.]
É que não tenho um filho.
Então me nino contando a imaginada de como isso seria.
Como é ser atenção de todo cuidado? Ser devoção pelos detalhes, saber urgência de amor que não quer nada em troca?
Quando olho assim, a metalíngua vem me dizer que tem hora e lugar para se saber filho de si.
É que, no profundo, eu sei que me amo, mas é amor de longe, amor de subsistência; coisa que se esquece à tarde.
Mas, na casca, não me amo nem por amor à vida, porque não é por amor de volta. Me amo por amor de ser, sinônimo de fazer.
Tenho uma pessoa de dois anos que se me alimenta.
E ela diz que não quer terminar o almoço.
e eu respondo que a gente come porque quer viver, que sem comida a gente adoece, e que ficar doente dói.
E pergunto se ela lembra de como dói a dor, e começo a imaginar ela-mesma só que mais crescida, e me olhando com os olhos de quem sabe que isso é coisa da retórica, mas que cumplicia porque sabe que é querer bem.
E continuo e digo que a gente nunca quer dor, porque a dor não deixa ver coisas bonitas, ouvir música, ver desenho ou dançar.
E que ela estraga tudo isso, a dor, mas não porque seja má; e aí vem o sussurro: mas porque ela tem que vir lembrar de que a gente não vive por obrigação.