quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Seis de Espadas

Um padrão quinfloresce: fato depois de fato, a fim e a cabo, ninguém é odisseu.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

É que a ansiedade, diria Alice, mas disse Kierkegaard, é uma tontura.

Ora mire, depois veja: quem olha pro abismo fica tonto por liberdade; 
É que o abismo não manda em nada mas, por estar, convida.





[ana teresa barbosa]

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sou um monge nem por força
nem desperdício.
Sou um monge porque um
monge não precisa de motivo.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

À noite, todos os fatos são pardos.
Menos um.

Hoje há um fato que dorme
debaixo do foco de luz.
Fato mucosa, fato de pus.

Fato assustado, pois, como tudo, nascido.
Fato amarelo, pois de fato Real,
fato malquisto, fato querido;
pois que erótica é a alma dos corpos de fato fortunos
- os que sabem que o destino é a febre.

Fato: sofro, sofro, sofro,
depois volto a ser deus e começo tudo de novo.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Quando Dandi viu sangue na parte de trás do seu trator, em que ela costuma sentar para telefonar para as crianças e olhar a distância entre o sol e a montanha zebrada, pensou rápido será que o meu absorvente vazou? Mas refez mentalmente o seu trajeto no dia e percebeu que era impossível; além disso, era sangue demais mesmo pra ela.

Então olhou em volta já com o coração apertado. Será que tinha atropelado alguém? Refazia aflita e ainda mais rápido o trajeto mental, agora do seu trator, procurando grito, gemido ou suspiro, na memória, que pudesse dar pista.

Olhava em volta, mas o coração disparava tanto que não via nada: na floresta tudo se camufla para a vista já querendo cansar da mamãe.

Foi só então que viu. Subiu no capô do trator, por impulso, e refez, com o olhar, agora aterrorizado, o traçado da enorme linha sinuosa e escamada, quase perfeitamente camuflada. Diziam que tinha mais de 150 anos, diziam que pesava mais de 200 quilos, mas o que Dandi sabia era que a lendária cobra zebrada, que tinha salvado a vida da sua filha do meio uma vez, estava agora com a cabeça esmagada embaixo do seu trator.

Sem pensar mais, cortou a pontinha do rabo da cobra zebrada, o estoque do seu veneno, correu pra casa com o peito formigando e, antes de enfartar, disse para as crianças: o veneno que salvou Shimara é agora a memória da sua mãe. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Andar. Dar um passo depois do outro.
Por muito tempo eu achei que andar fosse encontrar respostas.
Uma resposta, um passo.
Outra resposta, outro passo.

Só muito depois eu encontrei a santidade das perguntas.
Mas e daí?

E daí nada, quando a pergunta é só interrogação.
É verdade no vazio, emolduram, orgulhosos, os lógicos.

O mas vem, ao contrário, da pergunta que pergunta o mesmo.
E esta sempre foi,
no fundo,
experiência.

É aí.
É aí que a cena corta prum fim de dia pesado em inverno carioca dourado. ´
É aí que, quando o calcanhar levanta, ele alavanca, vai e vê.

É só aí que um bebê aprende a andar.
É só aí que, depois de toda a aporia de pensar ir pra frente e, no entanto, cair para trás;
o bebê encontra a santidade da alavanca: ir pra frente é o paradoxo de empurrar o mundo pra trás.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Hoje
Falha de envio
vamos acampar
Falha de envio
é quase verão
Falha de envio
em pleno inverno
Falha de envio

Agora
Falha de envio
Não depois do inverno
Falha de envio
Let's hit the climax
Falha de envio
Feelings, ohoohoho, feelings
Falha de envio

Agosto 
Falha de envio
já é quase este mês
Falha de envio
Let's hit the governour
Falha de envio
É crua a vida
Falha de envio

A pele
Falha de envio
em exposição
Falha de envio
à carícia que é sofrimento
Falha de envio
pelo sofrimento do vão.
Falha de envio

A terra
Falha de envio
em abertura
Falha de envio
ao mais nu que o nu da pele
Falha de envio
é linguagem
Falha de envio

O Rio
Falha de envio
em dobradura
Falha de envio
no mais nu que o gás na pele
Falha de envio
é paragem
Falha de envio

da garganta futura

quinta-feira, 13 de junho de 2013

A vida é sol, diz o Sol.
A vida é criança, diz a Criança.

E, no entanto, lá vem de novo a Flora querendo olhar a vida de fora.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Como é que se dança,
pergunta o corpo, congelado.

O fogo ouve e sabe a resposta,
mas, por ser metade esquecida,
já não lembra o ser fiat;
vira só hesitação.

Dinterminada a conversa, o dia me disse:

Sou duas, que me olham.
Uma, olhos de espera, criança, 
que tapeia o relógio por ânsia.
Outra, olhos de ter visto, já velha, 
quignora sol e sombra por abundância.

Depois café, cerveja e óleo.
Laranja, saliva e mel.

Sou Lênin, humor e lágrima.
Sou Maia, faminta e mítica.
Sou Hilda. A vida é líquida.



Ou:
É que o sertão é a alma de seus homens, disse o homem Guimarães. 
E eu, que mal e mal conheço o mar, não poderia chegar assim já olhando de frente o sertão: solo e sol mais amplo que o ar.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

É porque sou o deus do meu corpo, assenti para o espelho, que não sinto a superfície.

Por isto e apesar, olho com lupa os poros
-casa dos tantos seres que nunca saberei-
e imagino-os construindo uma expedição.

Mas onde ir antes:
meu cérebro, meu timo ou meu coração?

Respondo em prece câmbio-desligo:
veias; toda resposta é já a procissão.

Agora
Não sei entranha que não tenha sabido ser mucosa. Não sei mucosa que não tenha sabido ser antena.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Nuvem negra ou  "sobre doer em silêncio uma dor sem nome"


Blusa vermelha e sorriso sem olhos.
 estou atrasada e, no fundo, é verdade que eu quero o mundo.
problema é o mais do mais fundo: 
saturada numa insônia dormente,
quero ser avestruz. 
E daí?



































domingo, 7 de abril de 2013



Tenho uma alegria doída que se parece com o sol ou com a chuva.
arde, quando arde; troveja, quando assusta.

é isto, estar no mundo?

sou, de repente, o jeune homme que dança com a morte pro Roland Petit.
sou a bochecha do Nureyev no braço da Zizi.

é que o sexo e a morte são os únicos mistérios do mundo.
E daí?

quarta-feira, 27 de março de 2013




No vão entre poema e poema, estômago.
É então este, o vazio do tamanho do deus?

Como pão como é o pão: 
inteiro, mas cheio de partes.
Mais cheio na falta: ouro falta.
Vazio na sobra: cobre obra.

É então que
poema e poema
vão para cama em engulo da noite,
pois que fundir é engano da fome
(pelo menos)
em parte: ligapartes, 
(ruminante)
no todo: como o lobo.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

E então, do terceiro mergulho,
surgiu uma terceira pessoa
num terceiro rio.

Se enxugando à margem, ouviu dizerem-lhe "você é o crônico da saudade mal-parada".

Crônico?, uma sexta pessoa 
pensou, cronicomoassim?

Crônicassiduidade, resolveu afinal 
o trigésimo terceiro quinto daquele mesmo quinhão, 
pois que de permanente, aqui, tem só a crônica da repetição. 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

oxímoro, ou a agudeza idiota, disseram os dicionários depois dos gregos


É que a sede 
nunca me fez 
mais pragmát
ica, respondi 
ao vendedor 
de materiais 
de construção
que me entreg
ava a nova pá 
junto com o tr
oco; ao contrár
io e não sei por
quê, ela me faz 
uma ambição pr
eguiçosa, a.k.a.
calculativa.  É aí 
que eu penso tan
to antes de cavar
, que nunca tenh
o poço.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013


Bem me quer, mar me quer



Lançamos o barco, sonhamos a viagem, 
mar quem viaja é sempre o mar.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Basho atravessava o país para encontrar uma cachoeira.

Mesmo em Quioto, 
quando ouço o cuco, 
tenho saudades de Quioto,

respondia ele assim sempre que lhe entoavam um aonde vais?.

Imagino-o acordando ainda em casa,
preparando a viagem, comendo e se lavando, 
e tudo isto movido pelo desejo de ver Quioto, 
de onde, no entanto, ele ainda não havia saído.

É que a saudade de Quioto nunca teve realmente a ver com o fato de estar lá.